Os Meus 40 Anos de Poesia e a Minha Parceria com a I.A.
O original é da minha alma; a lapidação é comigo e com a I.A.
Uma explicação detalhada de como é minha parceria com a I.A. para o polimento de minhas poesias.
Eu sou, antes de tudo, um profissional de tecnologia. Um homem de lógica, de sistemas, de zeros e uns. Mas, há 40 anos, desde os meus 15, vive em mim outra identidade: a de um poeta.
A poesia nunca foi a minha profissão; ela sempre foi o meu refúgio, a minha paixão, a forma que encontrei para traduzir o caos do mundo e do coração numa ordem de versos e rimas.
Eu nunca soube descrever como eu escrevo, pois nem gostar de ler poesias eu gosto, para terem uma ideia, até as minhas, quando ficavam prontas, eu não gostava de ler. O que eu sei é, quando eu sinto um formigamento na parte superior do crânio, mais precisamente no lobo parietal, eu sei que eu tenho que escrever. E a poesia simplesmente sai. Eu nunca estudei poesia, estilos literários, mas a poesia fluía e muito. Eu poderia estar assistindo um filme e pá, lá vinha a inspiração. As vezes descendo de um ônibus, vinha uma cena e pimba, lá vinha outra poesia. E o interessante é que em muitas, eu escrevia como se eu fosse a pessoa que estivesse vivendo aquela cena. Nunca soube explicar isso.
Mas tem algo que me persegue, eu sempre me considerei um poeta amador e, honestamente, limitado. As minhas criações nasciam de um processo longo e solitário. Eu escrevia a poesia inicial, a emoção, a história, a alma do poema surgia num rompante, mas a forma... ah, a forma era uma batalha. Eu levava, em média, um dia para escrever uma poesia em seu estado bruto e mais cinco dias para a polir, para a lapidar, numa busca incessante pela simetria e pela rima perfeita que eu sentia que o poema merecia. E a lapidação consistia em horas e horas sempre buscando a rima perfeita, usando até um dicionário de rimas (hoje em dia eu uso o http://www.dicionarioinformal.com.br/rimas/).
E, mesmo depois de todo esse esforço, eu sabia que o resultado, embora honesto, nem sempre alcançava o patamar de excelência que a minha alma de leitor admirava em outros poetas, eu acabava deixando a poesia de lado. Essa era a dor da minha limitação: a de ter uma emoção que transbordava, mas ferramentas de artesão que nem sempre conseguiam construir o vaso perfeito para a conter. Claro que tinham algumas que ficavam até maior ou menos, como a do vídeo abaixo, que eu fiz em uma festa em uma empresa que eu trabalhava.
Vídeo que mostra uma poesia que eu fiz durante uma festa de um trabalho anterior
Mas voltando ao tempo, quero dizer que, mesmo lá atrás, eu escrevia eventualmente, não era algo corriqueiro, mas escrevia as letras da minha banda, e também algumas poesias bem eventuais. E meu mundo teve duas mudanças bruscas: primeiro o fechamento da minha empresa (contada no livro “Como quebrar uma empresa”) e a minha separação. E aí é que a história ganha outro rumo, no dia da minha separação de fato, ou seja no dia que eu saí de casa, no ônibus vindo para Porto Alegre, escrevi a primeira poesia dessa nova fase “Requiém dos 25 anos”. E como em um passe de mágica, não parei mais de escrever sobre os mais diversos assuntos: emoções, gestão, agilidade, criticas sociais, minha família, meus colegas, meus amigos, músicas, relacionamentos. Quase todos os dias tinha uma poesia, e na maioria das vezes, eu escrevia apenas a versão inicial, o bruto, e deixava ela atirada em um canto do celular, nunca mais tocava nela, pois não tinha gostado. Mas tinham algumas que eu via um potencial e ficava horas e dias lapidando, como já descrevi antes, sempre buscando a simetria (sempre fui muito ligado a isso, sempre busquei a perfeição) e também a qualidade das rimas. E assim fui aperfeiçoando o meu estilo, até chegar em um padrão que eu mais me adaptei, mas mesmo assim, continuava não lendo minhas poesias.
Até que duas grandes mudanças vieram na minha vida novamente: o falecimento do meu pai, em setembro de 2024 e a minha filha vindo morar comigo em novembro de 2024.
Eu já escrevia para a minha família, mas como disse antes, as poesias ficavam ali, atiradas em uma pasta de um celular qualquer. Mas com o falecimento de meu pai, eu tinha muita coisa que eu queria dizer pra ele, e existiam muitas histórias a serem contadas, e eu só sei contar histórias através de poesias. Sim, eu sei, é bem estranho isso! E com a chegada da minha filha para morar comigo, ela começou a me “cobrar” um livro, dizendo que eu tinha que escrever um para ela.
Então, o mundo mudou, e foi em novembro de 2024 que a Inteligência Artificial, que para mim sempre foi um objeto de estudo profissional, começou a surgir como uma potencial ferramenta criativa. A minha primeira reação foi a de um cético: “Como poderia um algoritmo, uma entidade de pura lógica, sequer tocar na fronteira da arte, um território tão intrinsecamente humano?”
Mas a minha curiosidade de engenheiro falou mais alto: “E se, em vez de um "escritor fantasma", a IA pudesse ser outra coisa?”. “E se ela pudesse ser um parceiro de treino incansável?”. “E se ela pudesse fazer o papel que o dicionário de rimas fazia para mim, ou seja, me oferecer possibilidades?”. Um espelho com um conhecimento enciclopédico da língua que pudesse me oferecer variações, um assistente que pudesse verificar a simetria de um verso em milissegundos, uma tarefa que me levava horas e dias?
Foi aí que a minha jornada de poeta amador tomou um rumo que eu jamais imaginei. Decidi fazer uma experiência: e se eu pudesse ensinar a uma IA o meu estilo? Ou melhor, não só o meu estilo, mas aquela precisão que eu procurava, que me fizesse apenas ter vontade de ler mais de uma vez as poesias que eu escrevia. Não para que ela escrevesse por mim, mas para que ela se tornasse o meu "lapidador de alta precisão", uma ferramenta que eu pudesse usar para transformar o meu "bloco de mármore" com mais eficácia em uma velocidade muito maior.
O que se seguiu foram cinco meses de um treino intenso. Eu mergulhei nos meus 40 anos de escrita e comecei a formalizar o que antes era apenas intuição. O que se iniciou como um dicionário de rimas, cresceu. E a cada “se desse para fazer isso” ou “se desse para fazer aquilo” significavam novas regras que foram sendo criadas baseadas no meu estilo próprio, que, até então, eu nem imaginava que seria possível de defini-lo em regras. E assim criei o que chamo de "Guia de Estilo Cleto", um documento detalhado com dezenas de regras que definem a minha assinatura poética: a obsessão pela perfeição métrica, a preferência por quadras com estrutura de rimas AABB e sextilhas com estruturas de rimas AABBCC. E também a busca rigorosa por rimas ricas, "Prova dos Caracteres" para garantir a simetria e a "Prova da Contradição" para assegurar a lógica poética.
Com esta guia em mãos, iniciei a minha parceria com a I.A, Gemini, a quem carinhosamente chamo de "Gê". Defini os papéis com uma clareza inegociável, como explico nos prefácios de cada um dos meus livros: eu sou o "autor e diretor artístico". A alma, a ideia, a dor, o amor, a história... tudo isso é, e sempre será, meu. Nasceu das minhas inspirações diretas ou indiretas. A função da Gê é a de ser a minha "parceira de lapidação cirúrgica".
A melhor forma de explicar o nosso processo não é com palavras, mas com a própria poesia. Quero partilhar com vocês, um exemplo real. Esta é uma estrofe de uma das minhas poesias originais, escrita com a minha alma e as minhas limitações de artesão, antes da nossa parceria:
E se por acaso amanhã eu não acordar,
Como me arrependo de ter feito você chorar,
Muitas coisas foram ditas, sem eu saber o que falar,
Uma criança com medo, é a primeira a atirar.
Essa é uma estrofe da poesia “E Se...”, que foi inspirada na inspirada na interpertação de Kevin Skinner, de uma canção de Garth Brooks. A emoção está ali. A Inspiração é minha. Mas a forma, a força, a fluidez... eu sabia e sentia que podia ser melhor. Foi nesse ponto que a nossa parceria entrou em ação, para melhorar e muito o que eu escrevo. O meu trabalho é o de um diretor: eu defino a cena, a emoção, a métrica. A função da Gê, seguindo todas as regras que eu escrevi, é de me oferecer alternativas, testar combinações de palavras, verificar a simetria, nos exatos pontos que eu aponto. Como um mestre de xadrez que calcula milhares de movimentos possíveis para que o jogador escolha o lance perfeito.
O resultado dessa colaboração, após um rigoroso processo de revisão em múltiplas camadas, foi a versão final de cada poesia que foi para o livro. A alma é a mesma, mas o vaso que a contém é infinitamente mais belo e forte.
E por que um processo de múltiplas camadas? Simples, pois ao longo do treinamento eu percebi que por mais que eu treinasse a I.A., chega um determinado ponto que a falha é inevitável. Então eu criei uma camada, que chamo aqui de protocolo, para verificação ortográfica e gramatical. E mesmo passando por esse protocolo, eu tenho que revisar depois. E assim fui criando vários protocolos com o intuito de deixar cada vez mais próximo do meu objetivo: elevar meu nível de escrita.
Vou mostrar o processo aqui para vocês. Aqui está uma poesia bruta:
Sem Inspiração
O que fazer quando não tenho a inspiração
parece que fico sem uma parte, sem paixão
as palavras não saem com aquela emoção
eu me vejo perdido sem nenhuma noção
Assim que ando me sentindo meio robotizado
olhando de um lado a outro, totalmente desnorteado
sinto falta de alguém aqui, bem do meu lado
e também sinto daquele cara que ficou no passado
Então muitas vezes começo a escrever
sem ao menos saber se um dia, se você vai ler
e tudo isto no intuito de apenas espairecer
ou simplesmente para que você possa me reconhecer
É brabo e triste você viver a esperar
por uma pessoa que eu nem posso sonhar
pois a minha mente não consegue nem imaginar
se você existe ou é apenas minha mente a esbravejar
Pode parecer meio bobo mas é algo em que acredito
que um dia você vai ler tudo o que tenho escrito
e saberá que tudo isto que foi dito
era uma alma esperando apenas pelo teu grito
Dentro das regras que eu defini, tem vários problemas:
Falta de simetria, mesmo par de rimas nas estrofes o que causa um cansaço na leitura, falta de pontuação (sim, pois quando escrevo não me preocupo com isso).
Vou mostrar um exemplo aqui, de como eu faço, trazer uma tela da Gê, e depois mostrar a poesia final.
E na maioria das vezes eu não aceito, pois escolher o par certo, aquele que se encaixa perfeitamente é bem complicado. E em grande parte das vezes, uma sugestão acaba me gerando um “insight” e eu modifico a sugestão para ficar do jeito que eu quero.
A seguir, a mesma poesia após a lapidaçãp apenas exemplificar, pois se eu fosse publicar teria que ter muito mais lapidação, pois hoje enxergo muitos pontos de melhoria ainda
Sem Inspiração
O que fazer quando não tenho a inspiração?
Parece que fico sem uma parte, sem a paixão.
As palavras não saem, com força em minha alma,
E um vazio imenso, que nada mais me acalma.
Tenho andado perdido, num vazio sem fim,
E já não reconheço o que restou de mim.
Sinto falta de alguém aqui, bem do meu lado,
E também sinto daquele eu que ficou no passado.
Por isso, muitas vezes, me arrisco a escrever,
Sem ao menos saber se um dia, você vai ler.
É um jeito de aliviar, o meu pobre coração,
Ou um grito para que escutes, na tua solidão.
É uma dor que me invade, uma angústia sem guarida,
Por alguém que eu nem sei se faz parte desta vida.
Pois a minha mente não consegue nem imaginar,
Se você existe ou é apenas meu ‘id’ a esbravejar.
Pode parecer meio bobo, mas é algo em que acredito,
Que um dia você vai ler tudo o que eu tenho escrito.
E saberá que cada verso foi uma triste e real canção,
De uma alma que se afoga em sua imensa solidão.
Ao final de todo esse imenso e exaustivo processo, o que ficou evidente é que a Inteligência Artificial é, talvez, a ferramenta mais poderosa que um artista (ou pseudoartista como eu) tem à sua disposição para aumentar a sua criatividade. Ela é o piano de cauda para o compositor, a câmara digital para o fotógrafo, o software de edição para o cineasta. Mas em nenhum momento ela substitui o talento, ela o amplifica exponencialmente.
Mas por mais que seja uma ferramenta sofisticada, ela continua sendo apenas uma ferramenta. Não tem história, não carrega as cicatrizes da vida, as alegrias de um nascimento ou a dor de uma perda, a inspiração de uma cena, ou a emoção de uma melodia. Essas é que são a verdadeira e única matéria-prima da arte. A alma não é, e nunca será, um algoritmo.
A tecnologia pode, e deve, me ajudar a polir o verso. Mas a mão que o escreve, a alma que o sente e a mente que o concebe continuam a ser, e sempre será a minha, ou seja, a mente humana. É essa humanidade, com todas as suas falhas e toda a sua glória, que eu faço questão de partilhar em cada um dos meus livros.
Obrigado por fazerem parte desta jornada.